sábado, 19 de fevereiro de 2011

ELES FRAUDARAM A CONSTITUIÇÃO!

A base dar votos ao governo é normal; entregar a honra do Congresso ao Planalto é uma vergonha! Ou: ELES FRAUDARAM A CONSTITUIÇÃO!

A base aliada apagou ontem, por 300 votos a 117, um trecho da Constituição.

Vamos botar a bola no chão. Muito do que se viu na votação do novo salário mínimo é parte da política, goste-se ou não do resultado. Ninguém pode censurar o governo por ter mobilizado a sua base e garantido um resultado realmente avassalador quando se comparam os votos. Tendo também a dar pouca bola para conversas como: “O governo pressionou; o governo ameaçou; o governo isso e aquilo…” O Executivo tem o direito de cobrar fidelidade de seus aliados. Se a lei lhe faculta a nomeação de cargos políticos, não vejo nada demais em que sejam usados para que se garanta o resultado que se quer no Congresso. O que é indecente é a quantidade de cargos ocupados sem concurso, aí sim. Adiante!

Eu já escrevi aqui algumas vezes que a oposição não tinha a menor chance de emplacar um mínimo diferente dos R$ 545 — e continua a não ter no Senado. O governo pode obter 50% a mais dos votos de que precisa. Assim, reitero que a votação representa a chance de fazer uma crítica ao governo que é de natureza política. Por que as contas do governo estão tão apertadas? Por que se vai tentar fazer um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento? Ah, sim: não vai adiantar o senador Aécio Neves (PSDB) propor R$ 560 para demonstrar que é um bom moço e não um “radical” que quer logo R$ 600… O pão seco de Dilma, senador, é o mesmo sem manteiga ou sem margarina…


Absolutamente anormal, impressionante mesmo, é a Câmara ter aprovado, por 350 votos a 117, a consciente e deliberada violação da Constituição, que estabelece que o salário mínimo é definido por lei — e, pois, tem de ser votado pelo Congresso. No projeto do governo, encampado com uma pequena mudança malandra pelo relator, deputado Vicentinho (PT-SP), o valor será definido pelo Executivo por meio de decreto, com base na tal equação acertada com as centrais: correção da inflação mais crescimento da economia dois anos antes.

Vamos ver.

Qual foi o truque a que recorreu o governo, com a ajuda de Vicentinho? Enviou um projeto de lei — e salário mínimo só pode ser definido assim — estabelecendo que, até 2015, o mínimo será definido por decreto. Entenderam? Na prática, o governo recorreu à Constituição para fraudar a Constituição. Se alguém decidir apelar ao Supremo, e isso certamente se fará, não é possível que o expediente prospere. Se a moda pega, tudo o que, na Constituição, depende de lei pode passar a ser decidido por decreto! Basta, para tanto, votar uma lei!

Para mudar a Constituição, são necessários três quintos dos parlamentares em duas votações em cada Casa. Só pode ser feito por meio de emenda constitucional. O PT descobriu um caminho para mudar a Carta usando um simples projeto de lei, por maioria simples. É UM GOLPE NA CONSTITUIÇÃO!

Atenção! Nem estou entrando no mérito do conteúdo, e posso fazê-lo, sim: trato de uma questão formal, legal e constitucional. Essa é uma prática consagrada por Hugo Chávez, na Venezuela: usa a lei contra a lei, usa a Constituição contra a Constituição. E que se faça aqui o reconhecimento: deve-se ao deputado Roberto Freire (PPS-SP) ter apontado o absurdo!

Reitero: a questão do salário mínimo, em si, é o de menos. O governo está testando um método. Se Câmara e Senado condescenderem com a fraude constitucional e se o Supremo também aceitar, Dilma pode governar o Brasil por decreto se quiser. Como na ditadura.
Reinaldo Azevedo

A Lei da Acochambração. Ou: Jucá, o jurista juramentado em governismo
“A oposição está enganada. O salário mínimo deste e dos próximos anos está sendo definido por esta lei, o que o decreto vai fazer é o desdobramento desta lei”.

A frase acima é do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Jucá não está enganado. Está tentando enganar. A ser como ele quer, o que se votou ontem, então, foi uma espécie de lei delegada: pelos próximos quatro anos, o Congresso renuncia a uma prerrogativa e a transfere para o Executivo.

Insisto: se é possível fazer isso com o salário mínimo, é possível fazê-lo com qualquer outro tema que seja regulado por lei.

Olhem aqui: se há coisa que, para mim, funciona como índice de país bananeiro são essas acochambrações legais promovidas por autoridades, que, como todos nós, não podem fazer, sem punição, o que a lei veta e, à diferença de nós, só podem fazer o que está previsto em lei.

E a Carta Magna é muito clara: o salário mínimo tem de ser decidido por lei, no Congresso, não por decreto presidencial, ainda que, malandramente, como fez Vicentinho, se coloque no texto que o Executivo editará um decreto “na forma desta lei”. É mero truque! Trata-se de uma vigarice jurídica.

Aliás, ao recorrer a tal expediente, o próprio relator admitia a inconstitucionalidade do que estava sendo votado. Ele só estava… acochambrando!
Reinaldo Azevedo

O PMDB e o futuro: quem se une a favor também se une contra
O PMDB tem 77 deputados. Todos disseram “sim” à proposta do governo do salário mínimo e “não” aos R$ 600 do PSDB e aos R$ 560 do DEM. Também devem ter votado unidos contra o destaque do deputado Roberto Freire (PPS-PE), que simplesmente buscava retirar uma inconstitucionalidade da lei.

O discurso do líder do partido, o patriota Henrique Eduardo Alves (RN), anunciando a adesão de 100% da bancada buscou mostrar ao governo que ali há comando. E, se há, os deputados podem ir para um lado ou para outro. Unida, a bancada tem mais condições de, como posso chamar?, negociar princípios. E já pode se dizer mais governista do que o próprio PT, que teve duas defecções.
Reinaldo Azevedo

Um Supremo já infiltrado
“Toda vez que a Constituição se refere a lei é no sentido formal e material. Ainda se pode imaginar uma medida provisória que tem força de lei, que passa depois pelo Congresso. Agora, essa transferência a um outro Poder de um ato que é próprio do Legislativo cria um problema”.

A fala é de Marco Aurélio de Mello, ministro do STF, comentando em tese o projeto aprovado na Câmara que transfere para a Presidência da República, até 2015, a prerrogativa de definir, por decreto, o salário mínimo. Segundo a Constituição, isso tem de ser feito por lei, no Congresso. Marco Aurélio, como fica evidente, considera o procedimento um tanto heterodoxo…

Reportagem do Estadão informa, no entanto, que ao menos um membro do tribunal não vê problema na lei aprovada. É… A coisa é complicada! Haver um ministro do STF — ainda que seja apenas 1 em 11 — que considere possível uma lei solapar um dispositivo constitucional é sinal de que o perigo bate à porta do estado de direito.

A minha questão é óbvia: se é possível, na questão dos salários, transferir uma prerrogativa constitucional do Congresso para o Executivo por meio de uma simples lei, por que não se pode fazer o mesmo em outros assuntos?
Reinaldo Azevedo

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