quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Trégua com militares ameaçada pelo Garzón

Anistia: militares fecham questão...

O mais que aguardado encontro do presidente Lula com militares no Planalto: havia um clima de tensão após a polêmica reaberta pelo ministro da Justiça Tarso Genro sobre a punição àqueles que se envolveram em práticas de tortura na ditadura. No entanto, o que se viu foi uma tentativa de mostrar que o governo não teve nada a ver com o episódio. Na foto ao lado, Lula e o general Enzo Peri selam a cordialidade entre o Executivo e as Forças Armadas.


Ao sair da cerimônia de apresentação dos oficiais-generais promovidos, no Palácio do Planalto, os comandantes do Exército, general Enzo Peri, e da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, deram por encerradas as polêmicas declarações do ministro da Justiça, Tarso Genro, de que os agentes que participaram de torturas durante a ditadura militar deveriam ser punidos. Segundo eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou com o debate, depois das afirmações feitas na segunda-feira pelo ministro Genro, em nome do presidente da República.
"O assunto está encerrado", disseram os dois militares. "Estamos exatamente seguindo o caminho orientado pelo presidente da República, que declarou que não é um assunto para ser tratado pelo Executivo. Essa é a posição do presidente da República e qualquer coisa que se diga será recorrente", emendou o comandante da Marinha, almirante Moura Neto.

Havia a expectativa de que o presidente desse alguma declaração a respeito, ontem, após a cerimônia com os militares. Mas, depois de reunião do presidente com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, um pouco antes da cerimônia, já era consenso entre os militares de que o recado dado pelo próprio ministro Tarso Genro significava o fim da polêmica. Ficou acertado que nenhum pronunciamento seria feito pelo presidente, que só Jobim discursaria e que os comandantes, por sua vez, dariam por encerrada a discussão.

Recado – No discurso, Jobim preferiu falar da agenda de interesse das Forças Armadas: reequipamento, nacionalização da indústria bélica e melhoria da infra-estrutura na Amazônia. Mas aproveitou para mandar um recado a todos os oficiais-generais, sugerindo que eles evitem manifestações e evitem assumir papel de liderança em suas respectivas Forças.

Para o ministro, os oficiais-generais "não têm necessidade individualmente de produzir biografias". E acrescentou: "Não há nenhum oficial-general, neste momento, que pretenda ser ele o grande chefe". Ele se referia ao comandante Militar do Leste, general Luiz Cesário, que, apesar de ser da ativa, compareceu ao seminário no Clube Militar, no Rio, embora sem farda, em protesto contra a tentativa de Tarso Genro de reabrir a discussão sobre a Lei de Anistia.

O ministro insistiu que está inserindo o assunto "defesa" na agenda nacional e disse que não há motivos para se temer alguma ameaça à Amazônia porque "nossos soldados estão prontos para defendê-la", apesar das "deficiências logísticas".
Diário do Comércio


... Mas juiz que prendeu Pinochet pode reabrir o debate

Baltasar Garzón estará no Brasil dia 18 para seminário da Carta Capital.

As declarações oficiais do Planalto dão conta do fim da polêmica sobre eventuais punições para crimes cometidos na ditadura. Mas um evento programado para a próxima segunda-feira, em São Paulo, pode colocar lenha na fogueira novamente e reabrir as discussões sobre torturas e desaparecimentos durante o regime militar. O combustível, desta vez, poderá ser importado.
O juiz espanhol Baltasar Garzón, que será o palestrante do seminário "Direito à Memória e à Verdade", realizado pela revista Carta Capital em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, tem tudo para reavivar o foco das latentes labaredas. Afinal, o magistrado ficou mundialmente conhecido quando pediu e efetivou a detenção do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, em Londres, em 1998, justamente por envolvimento em casos de torturas e desaparecimentos ocorridos no regime militar no Chile.

Em seguida, o juiz espanhol também solicitou a extradição do ex-chefe de Estado, o que foi negado. Apesar de ter fracassado na tentativa de julgar Pinochet, a iniciativa de Garzón é considerada um marco em direito internacional, colocando o magistrado como referência por causa de sua atuação contra ex-ditadores latino-americanos.

A expectativa em relação ao conteúdo que pode sair do evento do dia 18 deste mês também se estende a sua abertura, que ficará a cargo do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Foi ele quem deu início à atual polêmica nacional em torno da revisão da Lei de Anistia, de 1979, ao lado do ministro da Justiça, Tarso Genro, ao defender que a tortura é um crime hediondo.

No Clube Militar, onde foi realizado na semana passada um ato em defesa da manutenção da Lei de Anistia, no Rio de Janeiro, o seminário internacional ainda era desconhecido. Mas a entidade, agora, prefere não se pronunciar. "O negócio é apaziguar e não alimentar a fogueira. Vamos aguardar", disse o coronel Gilberto Guedes, do departamento de Comunicação do Clube Militar.

Perfil – Em seu País, o juiz Baltasar Garzón, de 52 anos, é membro da Audiência Nacional (Suprema Corte) desde 1988. Além de jurista, ele tornou-se uma pessoa de influência política, chegando a ser eleito deputado pelo partido Socialista em 1993. Entre as decisões judiciais que saíram de seu gabinete está a que determinou o fechamento provisório do partido separatista basco Batasuna, acusado de ser o braço político do grupo armado ETA (Pátria Basca e Liberdade).

Mas foi também Garzón quem comandou as investigações sobre os GAL, um grupo paramilitar que torturou e matou supostos membros do ETA durante a chamada "guerra suja" espanhola.

Com títulos de Doutor Honoris Causa concedidos por 21 universidades espalhadas pelo mundo, sua carreira é marcada pela luta contra a impunidade, a criação e defesa da Corte Penal Internacional e a preservação dos Direitos Humanos.

Manifesto – Para compor o grupo de "incendiários", mais de cem juristas, advogados, juízes e promotores de todo o País assinaram na última segunda-feira um manifesto em apoio à decisão do Ministério da Justiça, recém abafada pelo Planalto, de discutir a possibilidade de processo por tortura durante a ditadura.

O documento, intitulado "Manifesto dos Juristas", afirma que o "processo de consolidação de nossa democracia" só "dar-se-á por concluído quando todos os assuntos puderem ser discutidos livremente". E destaca: "Crimes de tortura não são crimes políticos e sim, crimes de lesa-humanidade." A coleta de adesões deve prosseguir nos próximos dias.
Diário do Comércio

Leia abaixo a íntegra do manifesto:

Manifesto público dos juristas em prol do debate público nacional sobre o alcance da lei de anistia

A comunidade jurídica abaixo assinada assiste a manifestações públicas em oposição ao debate sobre os limites da Lei 6.683/1979. Imprescindível, portanto, que venha a público manifestar:

1. Encontramo-nos em pleno processo de consolidação de nossa democracia. Dito processo dar-se-á por concluído quando todos os assuntos puderem ser discutidos livremente, sem que paire sobre os debatedores a pecha de revanchismo ou a ameaça de desestabilização das instituições. Só são fortes as instituições que permitem o debate público e democrático e com ele se fortalecem;

2. A profícua discussão jurídica que ora se afigura não concerne à revisão de leis. Visa, em verdade, a aferição do alcance de dados dispositivos. É secundada por abundante doutrina jurídica e jurisprudências internacionais, de que crimes de tortura não são crimes políticos e sim crimes de lesa-humanidade. A perversa transposição deste debate aos embates políticos conjunturais e imediatos, ao deturpar os termos em que está posto, busca somente mutilá-lo e atende apenas aos interesses daqueles que acreditam que a impunidade é a pedra angular da nação e que aqueles que detêm (ou detiveram) o poder, e dele abusaram, jamais serão responsabilizados por seus crimes;

3. O Brasil é signatário de numerosas convenções internacionais relacionadas à tortura e à tipificação dos crimes contra a humanidade, considerados imprescritíveis pela sua própria natureza e explicitamente assim definidos. Desde 1914, o Brasil reconhece os princípios de direito internacional, mediante a ratificação da Convenção de Haia sobre a Guerra Terrestre, que se funda no respeito a princípios humanitários, no caráter normativo dos princípios do jus gentium, preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública. O Estado brasileiro reiterou o compromisso com a comunidade internacional em evitar sofrimento à humanidade e garantir o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, ao assinar a Carta das Nações Unidas, em 21 de julho de 1945. O Estatuto do Tribunal de Nuremberg ratificado pela ONU em 1946 traz a definição de “crimes contra a humanidade”, as Convenções de Genebra de 1949, a Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Genocídio e o recente Estatuto de Roma, enfatizam a linha de continuidade que há entre eles, não deixando dúvidas para a presença em nosso ordenamento, via direito internacional, do tipo “crimes contra a humanidade” pelo menos desde 1945. Além disso, é consenso na doutrina e jurisprudência internacionais que os atos cometidos pelos agentes do governo durante as ditaduras latino-americanas foram crimes contra a humanidade. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, neste sentido, consolidou entendimento que os crimes de lesa humanidade não podem ser anistiados por legislação interna, em especial as leis que surgiram após o fim de ditaduras militares.

4. A jurisprudência internacional reputa crime permanente o desaparecimento forçado, até que sua elucidação se complete, bem como considera crime contra a humanidade o crime de tortura. Pleitear a não apuração desses crimes é defender o descumprimento do direito e expor o Brasil a ter, a qualquer tempo, seus criminosos julgados em Cortes Internacionais, mazela que, desafortunadamente, já acometeu outros países da América Latina. Lembremos que ademais da jurisdição nacional, há a jurisdição penal internacional e a jurisdição penal nacional universal.

5. Nunca houve no Brasil uma legislação de anistia que englobasse os crimes praticados pelos agentes do Estado brasileiro durante a ditadura militar instaurada em 1964. A Lei 6.683/1979 concede anistia apenas aos crimes políticos, aos conexos a esses e aos crimes eleitorais, não mencionando dentre eles a anistia para crimes de tortura e desaparecimento forçado, o que afasta sua aplicabilidade nessas situações. A Constituição de 1988 que em seu artigo 8º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), anistiou todos os perseguidos políticos e assim é feito pela Lei 10.559/02, não refere, em nenhum momento, a anistia às violações de direitos humanos. Nesse sentido, não cabe afirmar que os crimes de tortura e de desaparecimento forçado foram anistiados. Tais crimes são, portanto, crimes de lesa humanidade, praticados à margem de qualquer legalidade, já que os governos da ditadura jamais os autorizaram ou os reconheceram como atos oficiais do Estado.

6. Os cidadãos brasileiros que se insurgiram contra o regime militar, e por contestar a ordem vigente praticaram crimes de evidente natureza política, foram processados em tribunais civis e militares e, em muitos casos, presos e expulsos do país mesmo sem o devido processo legal. Além disso, quando presos, sofreram toda sorte de arbitrariedades e torturas. Depois de julgados, foram anistiados pela lei de 1979 e pela Constituição. Por que os crimes dos agentes públicos, que nem sequer podem ser caracterizados como crimes políticos, devem receber anistia sem o devido processo? Não se trata de estabelecer condenação prévia, ao contrário, o regime democrático pressupõe a garantia do mais absoluto e pleno direito de defesa, devido processo legal e contraditório válido a qualquer cidadão.

7. O direito à informação, à verdade e à memória é inafastável ao povo brasileiro. É imperativo ético recompor as injustiças do passado. Não se pode esquecer o que não foi conhecido, não se pode superar o que não foi enfrentado. Outros países tornaram possível este processo e fortaleceram suas democracias enfrentando a sua própria história. Ademais, nunca é tarde para reforçar o combate contra a impunidade e a cultura de que os órgãos públicos têm o direito de torturar e matar qualquer suspeito de atos considerados criminosos. Os índices de violência em nosso país devem-se muito ao flagrante desrespeito aos direitos humanos que predomina em vários setores da nossa sociedade, em geral, em desfavor das populações menos favorecidas.

É assim que a comunidade jurídica abaixo assinada manifesta-se em apoio a todos aqueles que estão clamando à Justiça a devida prestação. Manifesta-se em apoio ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Justiça e à Secretaria Especial de Direitos Humanos pelo cumprimento de seus deveres constitucionais e por prestarem este relevante serviço à sociedade brasileira e à democracia. E ainda, por fim, presta solidariedade a todos os perseguidos políticos que, a (há [1]) mais de três décadas, fazem coro por uma única causa, a própria razão de ser do direito: que se faça a Justiça.”

Terça-feira, 12 de agosto de 2008

[1] Reinaldo Azevedo observou um erro no texto: -Aquele “a”, escrito como preposição, quer ser o verbo "haver" indicando tempo passado – logo, “há”. (...) é gente que não sabe o que quer dizer "passado" nem como se escreve.


Assinam o manifesto, entre outros:
Deisy Ventura, SP, Profa. Dra. Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo
Dalmo de Abreu Dallari, SP, Prof. Dr. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Fábio Konder Comparato, Prof. Dr. Faculdade de Direito da USP
Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça
Cézar Britto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Jose Ribas Vieira, RJ, Prof. Dr. Titular de Direito Constitucional da UFF e PUC-Rio
Ovídio A. Baptista da Silva, RS, Prof. Dr. do Curso de Doutorado da Universidade do Vale dos Rio dos Sinos
Carlos Frederico Marés de Souza Filho, PR, Professor de Direito da PUC-PR e Procurador Geral do Estado do Paraná
Claudia Maria Barbosa, PR, Profa. Dra. Pós-Graduação em Direito da PUC-PR
Cecilia Caballero Lois, SC, Profa. Dra. Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSC
José Ricardo Cunha, RJ, Coordenador Acadêmico do Mestrado Profissional em Poder Judiciário FGV DIREITO RIO e Prof. UERJ
Pedro B. de Abreu Dallari, SP, Prof. Dr. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Daniel Torres de Cerqueira, PA, Prof. CESUPA, Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito
Ricardo Seitenfus, RS, Prof. Dr. da Universidade Federal de Santa Maria, vice-presidente da comissão interamericana de juristas
Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho, SP, Universidade de São Paulo Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
Katya Kozicki, PR, Profa. Dra. Programa de Pós-Graduação em Direito UFPR e PUC-PR
Rodolfo de Carvalho Cabral, PE, Prof. Departamento de Teoria Geral do Direito e Direito Privado da UFPE
Eneá de Stutz e Almeida, ES, Profa. Dra. Mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Vitória/ES
Edna Raquel Hogemann, RJ, Profa. Doutora em Direito - Rio de Janeiro
Evandro Menezes de Carvalho, RJ, Coordenador da Faculdade da FGV DIREITO RIO
José Querino Tavares Neto, SP, UNAERP e Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás
Angélica Carlini, SP, Prof. Dra. de Direitos Humanos da PUC-CAMPINAS
Rogério Barcelos Alves, RJ, Coordenador de Ensino da Graduação FGV DIREITO RIO
Sandro Alex de Souza Simões, PA, Prof. Dr. Adjunto do CESUPA Centro Universitário do Pará
Lívia Maria Oliveira Maier, DF, Advogada da União
Oto de Quadros, DF, Promotor de Justiça MPDFT
Judith Karine Cavalcanti Santos, PE, pesquisadora e professora universitária
Marco Aurélio Antas Torronteguy, SP, CEPEDISA/USP
Daiane Moura de Aguiar, RS, Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RS
Clarissa Franzoi Dri, RS, Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux
Lucas Pizzolatto Konzen, RS, Instituto Internacional de Sociologia Jurídica de Oñati
Rosa Maria Zaia Borges, RS, Profa. Faculdade de Direito da PUCRS
Márcia Nina Bernardes, RJ, Profa. do Departamento de Direito da PUC-Rio
Ciani Sueli das Neves, PE, Profa. da UFRPE
Ana Carla Machado Leite, DF, Tribunal Superior do Trabalho
José Geraldo de Sousa Junior, da Universidade de Brasília
Carta Maior

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