terça-feira, 13 de março de 2012

“Sindicato no Brasil virou negócio”

Presidente do Tribunal Superior do Trabalho diz (com razão): “Sindicato no Brasil virou negócio”

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Ministro João Orestes Dalazen: "Fui talhado na luta" (Foto: Sérgio Dutti)

A entrevista de VEJA desta semana, quentíssima, é com o ministro João Oreste Dalazen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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Sindicato no Brasil virou negócio

Entrevista a Paulo Celso Pereira

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho diz que a maioria das entidades sindicais não representa ninguém e existe apenas para embolsar o imposto pago pelos contribuintes

Nem reforma política, nem reforma tributária.

Para o gaúcho João Oreste Dalazen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a reforma mais urgente hoje no Brasil é a sindical.

Depois de 31 anos atuando na solução de litígios entre empregados e empregadores, o ministro traça um perfil sombrio da situação trabalhista no país. Os sindicatos são numerosos, não têm poder de barganha junto às empresas e, em geral, estão interessados apenas em uma fatia do bilionário bolo da contribuição sindical que todo trabalhador é obrigado a recolher.

Dalazen considera urgente o Brasil assinar a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que dá ao trabalhador ampla liberdade de escolher e contribuir para o sindicato de sua preferência.

Em vez de enfraquecê-los, ele explica, isso fortaleceria os bons sindicatos.

Hoje com 58 anos, Dalazen tem uma trajetória rara na magistratura. Nascido em uma família pobre, foi engraxate, lavador de carro, vendedor de revista, cobrador, balconista, garçom e office boy até ingressar, por concurso, no serviço público.

A demissão do ministro do Trabalho é um sintoma de que existe muita coisa errada no sindicalismo brasileiro?

Há uma grave anomalia na organização sindical brasileira, a começar por essa desenfreada e impressionante proliferação de sindicatos, que está na contramão do mundo civilizado.

A redução do número de sindicatos fortalece a representatividade e dá maior poder de barganha.

Não se conhece economia capitalista bem-sucedida que não tenha construído um sistema de diálogo social através de sindicatos representativos e fortes. No Brasil, infelizmente, o panorama é sombrio.

Por quê?

Aqui, os sindicatos, em sua maioria, são fantasmas ou pouco representativos. O Brasil vive uma contradição. A Constituição prevê o regime de sindicato único. Só deveria haver uma entidade representativa de cada categoria em determinada área.

Na prática, há uma proliferação desenfreada de sindicatos. Isso se explica porque a criação de sindicato é um dos negócios mais sedutores e mais rentáveis que se podem cogitar neste país. O Brasil tem hoje mais de 14 000 sindicatos oficialmente reconhecidos, e neste ano o Ministério do Trabalho recebeu uma média de 105 pedidos de registro por mês.

Eles são criados, na maioria, não para representar as categorias, mas com os olhos na receita auferida pela contribuição sindical, que é uma excrescência. É dinheiro público transferido para entidades sindicais que o gastam sem prestar contas.

O senhor tem alguma sugestão para reverter esse quadro?

O Brasil precisa ratificar com urgência a convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre a liberdade sindical. Nosso país está entre os poucos de economia capitalista que ainda não o fizeram.

Essa convenção consagra a ampla liberdade de criação de sindicatos, de filiação, de contribuição ou não. A extinção da contribuição sindical é fundamental. Mas a reforma sindical no cenário político de hoje infelizmente é remota. Existe sólida rede de interesses arraigados há décadas.

O senhor acha natural a relação entre partidos políticos e sindicatos, com algumas centrais sendo extensões do partido?

É natural a filiação de entidades sindicais a partidos políticos com os quais elas se sintam mais identificadas.

A questão está em saber se essa identificação com os partidos políticos atende aos interesses nacionais, porque nem sempre isso se dá. É preciso considerar que há sindicatos e sindicatos, líderes sindicais e líderes sindicais.

Nem sempre são os mais saudáveis os interesses defendidos pela liderança sindical com repercussão no mundo político.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, unificar as regras de greve para os trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. São situações realmente semelhantes?

A greve, no campo privado, é um direito sacrossanto condicionado apenas à observância de algumas formalidades para a deflagração.

No campo público, a Constituição assegurou aos servidores o direito à negociação coletiva e à greve, mas previa que esse direito fosse disciplinado por uma lei complementar específica.

Infelizmente, até o momento não sobreveio essa lei, e o quadro que se vê hoje, em grande medida derivado desse vácuo, é desalentador, para dizer o mínimo.

Há greves que descambam muitas vezes para a violência. Outras que se prolongam meses a fio em detrimento da população destinatária do serviço público. Elas são provocadas, ou intensificadas, pela impossibilidade do desconto dos dias de paralisação.

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Greve dos Correios durou 28 dias, mas governo só descontou 7

O senhor defende a existência de limites para a greve de servidores públicos?

Nesse vácuo de legislação, o Supremo decidiu que se impõe às greves no serviço público a aplicação da lei que rege a greve na iniciativa privada — o que significa dizer que a participação em greve no serviço público implica a manutenção dos serviços essenciais em funcionamento e o desconto obrigatório dos dias não trabalhados.

Na prática, não é isso que acontece. Os funcionários dos Correios, por exemplo, ficaram parados durante 28 dias e o governo só descontou sete.

Considero isso ilegal.

Os juízes federais e do Trabalho também cruzaram os braços recentemente.

Estou entre aqueles que sustentam que determinadas categorias não têm o direito de deflagrar greve. O juiz não é um servidor público, mas um agente do Estado, e, portanto, a greve no setor torna refém toda a sociedade.

Os juízes devem dar o exemplo. A greve atinge e prejudica as pessoas menos favorecidas da sociedade, ou seja, os milhares de reclamantes que pedem o reconhecimento de direitos essenciais e inadiáveis para sua própria subsistência. O mesmo se aplica aos militares e às polícias.

A Justiça do Trabalho enfrenta o mesmo processo de descrença que a Justiça comum?

A Justiça do Trabalho construiu uma imagem de rapidez na solução dos litígios, seja pela conciliação, seja pela intervenção do juiz, mas não obteve até aqui o mesmo êxito na obtenção efetiva dos direitos reconhecidos nas sentenças.

Tínhamos em setembro 2,45 milhões de processos na fase de execução, ou seja, em que os credores até aquele momento não haviam conseguido obter o direito já assegurado pela Justiça.

A média nacional mostra que apenas um terço dos trabalhadores que têm ganho de causa definitivo consegue receber seu dinheiro. Sentenças sem efeito prático levam à descrença na Justiça. Nós precisamos garantir que os trabalhadores recebam o que lhes foi garantido legalmente.

Então a Justiça Trabalhista também tarda e falha?

Precisamos urgentemente revisar e atualizar a legislação que rege a execução trabalhista. É uma legislação anacrônica, defasada e inadequada para os tempos atuais.

Ela é da década de 40 do século passado e não dotou o juiz do Trabalho dos mesmos meios de coerção concedidos aos demais juízes pelo Código de Processo Civil. O juiz do Trabalho é o único sem força legal para exigir a cobrança de débitos derivados de suas sentenças.

A Consolidação das Leis do Trabalho também é ultrapassada?

São necessárias a revisão e a atualização da CLT. Ela é excessivamente intervencionista e detalhista.

A lei deve assegurar patamar mínimo de proteção ao trabalhador e, com sindicatos fortes e representativos, o diálogo entre as partes construiria normas pertinentes, aplicáveis e suportáveis para cada segmento, levando em conta as especificidades de cada um.

O modelo trabalhista americano permite um vastíssimo sistema de negociação coletiva sem quase nenhuma intervenção estatal no âmbito legal.

Defendo algo semelhante para o Brasil: rede de proteção mínima com sindicatos fortes que construam as normas.

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CLT: "excessivamente intervencionista e detalhista"

Em tempos de crise, como a enfrentada agora pelos países europeus, esse modelo não deixa o trabalhador vulnerável?

Quando se preconiza o florescimento de um sistema de negociação coletiva sólido e amplo, o pressuposto é a existência de sindicatos fortes.

Por isso, a primeira das reformas é a sindical. Com sindicatos fortes como os têm os Estados Unidos, a Espanha e a Alemanha, não há risco de que a negociação se trave em nível de desigualdade, mesmo nos momentos de crise.

Os sindicatos vão avaliar em que medida podem fazer uma ou outra concessão. Podem achar adequado para aquele momento específico aceitar a redução do salário em troca da estabilidade no emprego. Isso é perfeitamente possível em ambiente de pouca intervenção estatal com a contrapartida de sindicatos fortes.

As varas trabalhistas estão cheias de processos de funcionários terceirizados. Por que essa forma de contratação é motivo de tanto litígio?

É inegável que a terceirização é um fenômeno econômico irreversível no plano universal. É compreensível que as empresas busquem lançar mão da terceirização como forma de aumentar os lucros pelo barateamento do custo da mão de obra.

Todavia, como demonstra a experiência das últimas décadas também em escala mundial, a terceirização tem se revelado em muitos casos um fator de precarização das condições de trabalho e de incremento de acidentes por falta de condições de higiene e segurança.

Sentimos falta de uma lei que discipline o assunto. A terceirização desenfreada, sob a forma de locação de mão de obra para fazer frente a necessidades normais da empresa, deveria ser proibida.

Quais são hoje os setores que mais desrespeitam a legislação trabalhista?

Os três maiores litigantes no Tribunal Superior do Trabalho são entes públicos: União, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Na iniciativa privada, as instituições financeiras respondem pelo número mais expressivo de ações trabalhistas.

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3 maiores litigantes do TST: União, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil

A carga tributária é mesmo a principal responsável pela alta taxa de informalidade do trabalho no Brasil?

Os impostos efetivamente oneram em demasia. Isso pesa ainda mais fortemente sobre as pequenas e microempresas. Não me parece razoável que empresas grandes e pequenas tenham obrigações trabalhistas idênticas.

O ideal é criar um sistema que estabeleça as obrigações trabalhistas de acordo com o porte econômico de cada empresa. Seria um mecanismo decisivo para a formalização de milhões de trabalhadores brasileiros que atualmente se encontram na informalidade.

Existem mesmo “bandidos de toga”, como disse a Corregedora Nacional da Justiça?

Penso que foi uma declaração profundamente infeliz, embora não queira tapar o sol com a peneira.

É evidente que em toda atividade há os bons e os maus profissionais, mas não se pode generalizar nem se pode tachar com essa gravidade indiscriminadamente os magistrados brasileiros.

No entanto, reconheço que é necessária a adoção, em alguns casos, de medidas mais firmes pelas corregedorias para a apuração de responsabilidade disciplinar envolvendo magistrados.

O fato de a pena máxima para um juiz ser a aposentadoria compulsória não fortalece a imagem de impunidade junto à população?

A revisão da Lei Orgânica da magistratura, com a inclusão de outras penalidades, é necessária, mas a aposentadoria compulsória não é propriamente uma premiação.

Quando se diz que a pena máxima é a aposentadoria compulsória, está-se referindo apenas à esfera administrativa, porque depois pode prosseguir a apuração da responsabilidade pela mesma conduta na esfera judicial — e então o juiz pode perder o cargo e a própria aposentadoria.

Mas já houve algum caso de perda do cargo e da aposentadoria?

Desconheço.

O senhor vem de família humilde. De que modo isso influenciou sua vida?

De fato, venho de baixo, de família muito pobre. Fui engraxate, lavador de carro, vendedor de revista, vendedor de pinhão em Curitiba, cobrador, balconista, garçom e office boy. Nunca, porém, deixei de estudar.

Na juventude, dediquei-me aos concursos públicos. Fui escriturário e procurador da Caixa Econômica. Fui oficial de Justiça, promotor e professor da Universidade Federal do Paraná, até ingressar na magistratura.

Fui talhado na luta. Trabalho mais de doze horas por dia com muito prazer, procurando fazer o melhor. Só assim eu consigo dormir a noite inteira em paz com a minha consciência.

Ricardo Setti

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