O ÚNICO E VERDADEIRO MOTIVO
DO TROPEÇO DE "LULA"
Por Astolpho Óculos
No meio de tantas explicações estratégicas para o fracasso, até agora, de Lula, o Filho do Brasil, é curioso que ninguém ainda tenha mostrado a cara para mencionar aquele que é o único verdadeiro motivo pelo qual o filme se arrasta: é ruim para burro. No limite do constrangedor. Mal escrito, mal dirigido, mal produzido, mal finalizado. Quando o filme é ruim, não adianta: pode fazer o marketing que for, a estratégia que for, vai quebrar a cara.
Fui ver no fim de semana da estréia e quase saí no meio, de tão insuportavelmente ruim. Saí dizendo: não vai fazer nem um milhão. O fato é que o filme tem vários problemas, técnicos mesmo. A personagem da mãe quase não tem ação, quase não tem uma boa cena (no sentido de que uma cena é um personagem protagonizando uma ação). Fora dar o ombro para Lula e soltar frases de efeito, ela faz muito pouco (só me lembro do momento em que decide sair do Nordeste e, depois, quando decide largar o marido).
O resto do filme é só uma sucessão de banalidades ditas como sabedoria sem nenhuma ação. Outro exemplo disso é a primeira mulher e a dona Marisa, inerte até mesmo quando Lula desfaz um programa, quando o namoradinho aparece ao mesmo tempo que ele na porta da casa dela. Neste sentido, Lula vira um protagonista sem coadjuvantes, sem antagonista, nada. Logo, sem dramaturgia, sem conflitos.
Mesmo assim, a sua vida parece um encadeado selecionado de momentos supostamente edificantes sem necessariamente conduzir a história. Lula muda de casa, muda de emprego, vira sindicalista e nada parece logicamente seqüenciado, falta tanta informação que parece que o material foi mal editado. A figura que é Lula, sua lábia, seu humor, sua rapidez, sua esperteza, atributos que fazem dele, para o bem ou o mal, o personagem genial que é, mal se desenham no filme: ele é apenas um vulto, uma estátua sem ação, movida pelo tempo e pelas circunstâncias.
A questão é a seguinte: por definição, uma cena é uma unidade dramática, a menor unidade dramática dentro do arco de uma determinada história, na qual um personagem interpreta uma ação cujo objetivo é conduzir a narrativa de um ponto a outro e assim sucessivamente. Basicamente, este personagem deve passar por um conflito que vai ser expresso por sua relação com outros personagens ou com o meio ambiente em que ele está inserido naquela história.
Por isso, além do protagonista, é necessária a construção de outros personagens e de obstáculos que, encadeados, fazem a narrativa evoluir em direção a sua conclusão. Costumamos dizer que, num bom roteiro, não há cena sem função, são todas elos fundamentais de uma corrente só (a trama). Se tem alguma cena num filme que pode ser retirada inteira sem afetar em nada a narrativa, por ser expositiva, reiterativa, repetitiva, puramente estética ou simplesmente inútil, como várias neste filme do Lula, tem algo errado. Aquela cena da inundação na favela, por exemplo. Serve para quê? Para nada, é uma sequência expositiva, que não leva a história para ponto algum, está ali apenas para mostrar que Lula enfrentou enchentes quando morava na favela. Tem vários outros exemplos. A cena do jovem casal brincando de pega entre lençóis esvoaçantes, clichê safado, mal filmado, que não faz a história andar. Cenas que não impulsionam a dramaturgia são um defeito grave de roteiro, só prestam para quebrar o ritmo da narrativa.
No caso do Lula, temos um protagonista que não enfrenta obstáculos nem lida com antagonistas. Se o Lula da vida real é um poço de contradições e impulsos ora para o bem, ora para o mal (e aí reside sua grandeza como personagem), o do filme é unidimensional, feito de convicções inabaláveis, de um ar plácido, bondoso, da certeza de que é um ser ungido, o escolhido (daí sua fraqueza como personagem).
Ele é um menino retirante que mora num barraco à beira de um mar podre? Sim, mas é um menino feliz, que joga bola bem, tira notas excepcionais e tem força até para desafiar o pai; ele mora num barraco? Mas come bife no almoço, sem que se explique como, e entra no cinema com paletó emprestado sem que ninguém note, numa boa. Ele perdeu o dedo na fábrica? Ora, e daí, ele come a Cléo Pires!!!
Quantos dedos você daria por uma noite com Cléo Pires?
E assim ele vai, atravessando a vida como se cumprisse os passos de um destino pré-traçado, cercado de personagens sem cenas (isto é, sem ação), muitos deles, como Dona Marisa e até Dona Lindu, praticamente só aparecem para bater palmas e dizer frases feitas, supostos lampejos de sabedoria popular ditos para confortá-lo e assegurar seu destino, são personagens que não o confrontam, não o testam, não constroem: estão ali apenas para reforçar as características dele, o protagonista.
Desta forma, ele deixa de ser um personagem vivo para virar um símbolo, um ícone. Pode até ser boa propaganda, mas certamente é mau cinema. Isso sem falar no festival cafona de clichês. E o pior é que a história é boa, os personagens são interessantíssimos e tinha tudo para ser um filmaço. Mas foi mal dirigido e mal produzido. E ainda ficam procurando justificar o resultado com o lançamento, que foi até bem feito. O problema não está no marketing nem na concorrência, está no produto.
De resto, a correção de cor resulta numa imagem sem vida, baseada em tons frios, escuros, que é o contrário do que se deve fazer em obras de viés popular. O som direto é ruim a ponto de os diálogos ficarem ininteligíveis em alguns trechos. A trilha, toda baseada em cordas, sem um único momento percussivo para dar grandeza à ação, é um exercício de forçação de barra para transformar qualquer ceninha, por boba que seja, num “momento emocionante”. O figurino é ruim, a cenografia, pobre. E o momento em que enfrenta o militar numa sala às escuras, clichê vagabundo e inverossímil? E a grande cena em que o Tuma deixa o Lula sair da cadeia para ir ao enterro da mãe? Nada, uma cadeia escura abre a porta e ele sai.
O que não está errado ou tecnicamente mal resolvido, é piegas, cafona ou equivocado. E o povão sabe disso tudo, bem mais do que eu. Tanto que simplesmente não vai ao cinema quando sente cheiro de porcaria. E tenho certeza que o boca a boca está derrubando o filme. Quase todo mundo que conheço que, como eu, viu o filme numa sessão normal, pagando ingresso, saiu falando mal.
Repito: . não há estratégia que segure um filme ruim
DO TROPEÇO DE "LULA"
Por Astolpho Óculos
No meio de tantas explicações estratégicas para o fracasso, até agora, de Lula, o Filho do Brasil, é curioso que ninguém ainda tenha mostrado a cara para mencionar aquele que é o único verdadeiro motivo pelo qual o filme se arrasta: é ruim para burro. No limite do constrangedor. Mal escrito, mal dirigido, mal produzido, mal finalizado. Quando o filme é ruim, não adianta: pode fazer o marketing que for, a estratégia que for, vai quebrar a cara.
Fui ver no fim de semana da estréia e quase saí no meio, de tão insuportavelmente ruim. Saí dizendo: não vai fazer nem um milhão. O fato é que o filme tem vários problemas, técnicos mesmo. A personagem da mãe quase não tem ação, quase não tem uma boa cena (no sentido de que uma cena é um personagem protagonizando uma ação). Fora dar o ombro para Lula e soltar frases de efeito, ela faz muito pouco (só me lembro do momento em que decide sair do Nordeste e, depois, quando decide largar o marido).
O resto do filme é só uma sucessão de banalidades ditas como sabedoria sem nenhuma ação. Outro exemplo disso é a primeira mulher e a dona Marisa, inerte até mesmo quando Lula desfaz um programa, quando o namoradinho aparece ao mesmo tempo que ele na porta da casa dela. Neste sentido, Lula vira um protagonista sem coadjuvantes, sem antagonista, nada. Logo, sem dramaturgia, sem conflitos.
Mesmo assim, a sua vida parece um encadeado selecionado de momentos supostamente edificantes sem necessariamente conduzir a história. Lula muda de casa, muda de emprego, vira sindicalista e nada parece logicamente seqüenciado, falta tanta informação que parece que o material foi mal editado. A figura que é Lula, sua lábia, seu humor, sua rapidez, sua esperteza, atributos que fazem dele, para o bem ou o mal, o personagem genial que é, mal se desenham no filme: ele é apenas um vulto, uma estátua sem ação, movida pelo tempo e pelas circunstâncias.
A questão é a seguinte: por definição, uma cena é uma unidade dramática, a menor unidade dramática dentro do arco de uma determinada história, na qual um personagem interpreta uma ação cujo objetivo é conduzir a narrativa de um ponto a outro e assim sucessivamente. Basicamente, este personagem deve passar por um conflito que vai ser expresso por sua relação com outros personagens ou com o meio ambiente em que ele está inserido naquela história.
Por isso, além do protagonista, é necessária a construção de outros personagens e de obstáculos que, encadeados, fazem a narrativa evoluir em direção a sua conclusão. Costumamos dizer que, num bom roteiro, não há cena sem função, são todas elos fundamentais de uma corrente só (a trama). Se tem alguma cena num filme que pode ser retirada inteira sem afetar em nada a narrativa, por ser expositiva, reiterativa, repetitiva, puramente estética ou simplesmente inútil, como várias neste filme do Lula, tem algo errado. Aquela cena da inundação na favela, por exemplo. Serve para quê? Para nada, é uma sequência expositiva, que não leva a história para ponto algum, está ali apenas para mostrar que Lula enfrentou enchentes quando morava na favela. Tem vários outros exemplos. A cena do jovem casal brincando de pega entre lençóis esvoaçantes, clichê safado, mal filmado, que não faz a história andar. Cenas que não impulsionam a dramaturgia são um defeito grave de roteiro, só prestam para quebrar o ritmo da narrativa.
No caso do Lula, temos um protagonista que não enfrenta obstáculos nem lida com antagonistas. Se o Lula da vida real é um poço de contradições e impulsos ora para o bem, ora para o mal (e aí reside sua grandeza como personagem), o do filme é unidimensional, feito de convicções inabaláveis, de um ar plácido, bondoso, da certeza de que é um ser ungido, o escolhido (daí sua fraqueza como personagem).
Ele é um menino retirante que mora num barraco à beira de um mar podre? Sim, mas é um menino feliz, que joga bola bem, tira notas excepcionais e tem força até para desafiar o pai; ele mora num barraco? Mas come bife no almoço, sem que se explique como, e entra no cinema com paletó emprestado sem que ninguém note, numa boa. Ele perdeu o dedo na fábrica? Ora, e daí, ele come a Cléo Pires!!!
Quantos dedos você daria por uma noite com Cléo Pires?
E assim ele vai, atravessando a vida como se cumprisse os passos de um destino pré-traçado, cercado de personagens sem cenas (isto é, sem ação), muitos deles, como Dona Marisa e até Dona Lindu, praticamente só aparecem para bater palmas e dizer frases feitas, supostos lampejos de sabedoria popular ditos para confortá-lo e assegurar seu destino, são personagens que não o confrontam, não o testam, não constroem: estão ali apenas para reforçar as características dele, o protagonista.
Desta forma, ele deixa de ser um personagem vivo para virar um símbolo, um ícone. Pode até ser boa propaganda, mas certamente é mau cinema. Isso sem falar no festival cafona de clichês. E o pior é que a história é boa, os personagens são interessantíssimos e tinha tudo para ser um filmaço. Mas foi mal dirigido e mal produzido. E ainda ficam procurando justificar o resultado com o lançamento, que foi até bem feito. O problema não está no marketing nem na concorrência, está no produto.
De resto, a correção de cor resulta numa imagem sem vida, baseada em tons frios, escuros, que é o contrário do que se deve fazer em obras de viés popular. O som direto é ruim a ponto de os diálogos ficarem ininteligíveis em alguns trechos. A trilha, toda baseada em cordas, sem um único momento percussivo para dar grandeza à ação, é um exercício de forçação de barra para transformar qualquer ceninha, por boba que seja, num “momento emocionante”. O figurino é ruim, a cenografia, pobre. E o momento em que enfrenta o militar numa sala às escuras, clichê vagabundo e inverossímil? E a grande cena em que o Tuma deixa o Lula sair da cadeia para ir ao enterro da mãe? Nada, uma cadeia escura abre a porta e ele sai.
O que não está errado ou tecnicamente mal resolvido, é piegas, cafona ou equivocado. E o povão sabe disso tudo, bem mais do que eu. Tanto que simplesmente não vai ao cinema quando sente cheiro de porcaria. E tenho certeza que o boca a boca está derrubando o filme. Quase todo mundo que conheço que, como eu, viu o filme numa sessão normal, pagando ingresso, saiu falando mal.
Repito: . não há estratégia que segure um filme ruim
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