Por Almir Pazzianotto
Reabre-se antiga controvérsia na legislação trabalhista, com a possível ratificação, pelo governo brasileiro, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovada em junho de 1982.
O polêmico documento, cujas raízes se encontram na Recomendação nº 119 , de 1963, determina no item 2.1 que " Não se determinará o término do contrato de trabalho a menos que ocorra uma causa justificada relacionada à capacidade ou à conduta do trabalhador ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, do estabelecimento, ou do serviço ". Seguem-se 20 dispositivos destinados a disciplinar a aplicação do princípio geral.
Passaram-se 20 anos entre a mera Recomendação e a impositiva Convenção , durante os quais o mundo, as relações econômicas, os métodos de produção e os sistemas de trabalho experimentaram profundas mudanças, que continuaram a ocorrer, determinadas pela globalização e pelas facilidades da engenharia da informática.
Em 1985, a Convenção 158 conseguiu as ratificações exigidas para entrar em vigor e, ainda hoje, apenas 34 dos 184 países-membros da OIT a incorporaram à legislação interna.
O debate sobre o documento não deverá se reduzir à questão do direito do empregador de dispensar, ou da extinção dessa garantia fundamental. É necessário se repensar sobre os reflexos que a ratificação trará à legislação trabalhista, em que, a começar pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), são muitas as garantias oferecidas aos empregados, sob quaisquer ângulos que sejam examinados os contratos de trabalho.
O aviso prévio, tratado na Convenção sob o título "prazo de pré-aviso", está disciplinado pela CLT , do artigo 487 ao artigo 491. O valor da indenização, em caso de demissão sem justa causa, é fixado pelo artigo 10,1, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias .
A estabilidade protege dirigentes sindicais, trabalhadores acidentados e empregadas gestantes. Tem-se, ainda, limitado rol de faltas graves no artigo 482 e, no 483, estão as hipóteses em que o empregado poderá considerar-se injustamente demitido.
Não há aspecto das relações de emprego e de trabalho que haja sido ignorado pelo legislador, ou que não tenha sido elucidado pela jurisprudência. Caso especial é o da terceirização, disciplinado pela Súmula nº 331 do TST.
Sobre o Brasil não recai a acusação de omissão no terreno da legislação social. Pelo contrário, possui avançado conjunto legislativo, cuja aplicação é fiscalizada pelo Ministério do Trabalho, Ministério Público do trabalho e Justiça do Trabalho.
A conversão do documento internacional, em lei ordinária interna, gera perigo de retomada de discussões em torno de problemas resolvidos, com jurisprudência sedimentada em Súmulas e Orientações do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Pense-se, a título de exemplo, no caso do empregado individualmente dispensado, ou na adoção, por empresas como o Banco do Brasil, ou Volkswagen, de programa de demissões incentivadas.
Pergunta-se se ao Judiciário Trabalhista ficaria reservada a competência jurisdicional para intervir e impedir os desligamentos, ainda que indenizados, sob o fundamento de que a causa determinante não ficou suficientemente comprovada?
Lembra-se que o Judiciário Trabalhista possui 1.327 Varas devidamente preenchidas, e 269 criadas, à espera de instalação. Dispõe, também, de 24 Tribunais Regionais e do Tribunal do Trabalho em que cada magistrado é titular do direito de interpretação própria, segundo o princípio da livre convicção.
O projeto que resultou na Lei do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) foi recebido, em 1966, com hostilidade por dirigentes de sindicatos profissionais da época, eis que determinaria o término da estabilidade após dez anos de serviço à mesma empresa.
Com o passar dos anos o FGTS revelou-se extremamente útil, de tal maneira que passou a integrar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Hoje é tido como conquista, da qual não abrem mão as organizações sindicais e os assalariados. A Convenção é compatível com o FGTS, ou não?
Normas internacionais obscuras, como sucede com o artigo 4 da Convenção nº 158, acabam por se converter em fontes de conflito ao serem incorporadas, de maneira forçada, a realidades distintas. A prudência recomenda que nada seja feito de forma precipitada, pois há o risco da multiplicação dos conflitos e das ações judiciais, provocando maior desestímulo à geração de empregos.
Melhor seria dar-se início à reforma da envelhecida legislação trabalhista, providência aguardada por milhões de jovens e adultos, que permanecem à espera de oportunidade em estreito mercado de trabalho.
A lei nunca foi garantia de manutenção do emprego. Ademais, quando a folha de pagamentos torna-se demasiado onerosa e é irredutível, restará a possibilidade de encerrar o negócio, ou transferi-lo para ambientes mais acolhedores.
O presidente Fernando Henrique Cardoso ratificou a Convenção 158 em janeiro de 1995. Ao dar-se conta dos resultados desfavoráveis, voltou atrás em novembro de 1996. Do presidente Lula podemos esperar atitude da mesma coragem e sabedoria, ou o caminho é a sovietização da economia?
Almir Pazzianotto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho contato@pazzianotto.com.br
Fonte: Diário do Comércio
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