É lamentável, mas na declaração da Unasul não saiu uma linha sequer a respeito dos direitos humanos à vida, à liberdade e à propriedade, negados pela Bolívia à Petrobrás. O apoio da Unasul ao governo de Evo Morales é simplista e parcial.
Como se a Organização dos Estados Americanos, a OEA, tivesse sido misteriosamente extinta, os países membros da União das Nações Sul-Americanas, a Unasul, deram um lição de como é sempre possível encontrar uma solução parcial para qualquer tipo de problema, sem qualquer esforço. A solução encontrada pela Unasul — a de reafirmar o apoio ao presidente Evo Morales e de reconhecer a integridade do país vizinho — é simplista e parcial por várias razões.
Primeiro, porque não há qualquer evidência de que alguém pretende apear, pela força, o presidente eleito do Bolívia, Evo Morales. Fosse a Bolívia membro pleno do Mercosul, a destituição, pela força, de seu presidente eleito e empossado em eleições "limpas" daria ensejo à exclusão do país do bloco comercial. E nada mais. Qualquer idéia
de bloqueio econômico a um improvável governo golpista que substituísse Morales somente repetiria a mal sucedida experiência cubana. O único efeito do bloqueio americano a Cuba foi penalizar a população e fortalecer o ditador, apontado como vítima da potência externa.
Segundo, porque se a convulsão interna na Bolívia é de interesse dos países da América do Sul, também o é de todos os países da América. Não há nenhuma razão para não levar a questão ao foro mais adequado para a discussão de problemas de ameaça à democracia, a OEA, pela sua história de solução pacífica de problemas similares ocorridos no passado.
Terceiro, não se trata apenas de ameaças a democracia o que está ocorrendo na Bolívia. Mudar a constituição do país dentro de um quartel do exército boliviano dificilmente pode ser reconhecido como um ato democrático. Da mesma maneira, dificilmente será interpretado como democrática a remoção de governadores eleitos para as províncias que hoje se opõem aos desmandos do governo central, que se apóia em outras províncias, estas no Altiplano Boliviano.
Quarto, é risível a exigência dos países-membros da Unasul de que é pré-condição para o envio de uma missão que se propõe servir de intermediária de negociação entre o governo e a oposição, a desocupação de instalações governamentais.
Ora, o Brasil foi vítima de violenta e descabida ocupação de propriedades e instalações da Petrobras na Bolívia. À humilhante invasão, injustificada diante das mais que boas relações do Brasil com a Bolívia, seguiu-se a falta de notícias a respeito da indenização requerida. O que já seria uma agressão violenta ao direito de propriedade em solo boliviano, acresce que o Estado brasileiro é acionista controlador da Petrobras. A violência, portanto, atinge não somente os acionistas não controladores da Petrobras, mas a própria nação brasileira.
Quinto, a declaração condena um imaginário golpe militar na Bolívia. A presidente pró-tempore da Unasul, Michelle Bachelet, recordou o golpe de Estado ocorrido no Chile em 11 de setembro de 1973 ao anunciar a declaração da Unasul, pontuando que os países da América do Sul não tolerariam um golpe de Estado na Bolívia. Ora, o problema boliviano não está em um imaginário golpe militar contra o governante eleito, mas no emprego das Forças Armadas daquele país contra o Estado de Direito. Não foram civis rebelados das províncias que ocuparam propriedades da Petrobras, foi o exército boliviano. Se há com que nos preocuparmos com a atuação das forças armadas bolivianas, é com a expansão desses atentados à propriedade e à liberdade contra nacionais e estrangeiros amigos.
Pela primeira vez na História sul-americana, os países da região decidem resolver os problemas da América do Sul, afirmou Morales ao final da reunião. O senhor presidente da Bolívia parece ignorar que nenhuma solução foi dada pela Unasul aos verdadeiros "problemas da América do Sul", definidos pela presidente Bachelet como "atropelos dos direitos humanos". O que está sendo atropelado na Bolívia são os direitos humanos à vida, à liberdade e à propriedade. É lamentáveis que a declaração da Unasul não contivesse uma linha sequer a respeito desses direitos, sistematicamente negados na Bolívia e em outros países da região.
Roberto Fendt
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